Policarpo brincou!
Naquela quarta feira
Cinza e nublada
Beijou bocas, chupou línguas
Policarpo pulou...
Vestiu-se de mulher
Travestiu-se de homem
Bateu palmas, gingou
Policarpo frevou...
Cantarolou marchinhas
Bebeu cerveja
Tomou cachaça
Policarpo sambou...
Distribuiu sorrisos
Abraços
Mãos bobas, dedadas
Policarpo gritou...
Mas, ao término da folia
Naquele ponto de ônibus
Sozinho e bêbado
Policarpo dormiu...
No dia seguinte Policarpo era noticia no mundo
As capas dos jornais estampavam
O Triste Fim, numa quarta feira de cinzas
As redes de televisão e rádio anunciavam
O trágico fim de mais um negro pobre da periferia
Nas redes sociais, protestos e mais protestos...
Atearam fogo no pobre Policarpo
Enquanto dormia na parada
Parado, imóvel
Só sobraram as cinzas
[e a arcada dentária]
Logo Policarpo, negro, de família pobre nordestina
Logo ele, malandro maluco maloqueiro
Que sabia entrar nas inteiras quebradas
Nas quebradas quebradas
Logo ele
Dormiu no ponto...
Foi morto por jovens de classe média
De alta periculosidade
Que atearam fogo em seu corpo
Por puro preconceito
E o pai
Seu Lima
Católico fervoroso
Ficou indignado, pois o filho foi morto
No começo da Quaresma
Naquele dia
Seu Lima perdeu a voz
A alma
Era muito choro
Muito sofrimento
Era Policarpo, o filho, o amigo
Era o Triste Fim, na Quaresma
Era o fim do carnaval
O dia em que Policarpo dançou...
Caranguejúnior salve Lima Barreto